Abordagem
A Psicologia Histórico Cultural tem como principais fundadores Lev Semenovich Vigotski, Alexis Nikolaevich Leontiev e Alexander Romamovich Luria, no início do século XX, teoria inicialmente construída na antiga URSS, chegando ao Brasil somente a partir dos anos de 1980, principalmente, com as primeiras traduções feitas a partir do espanhol e inglês das obras de Vigotski.
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1. Quais os fundamentos teóricos e metodológicos?
A abordagem tem como fundamentos filosóficos e metodológicos o materialismo histórico e dialético baseado nas obras de Marx e Engels. O materialismo histórico abrange a dimensão teórico-filosófica que entende a natureza social do desenvolvimento humano, da atividade de produção e reprodução das condições de existência, baseadas nas transformações econômicas e sociais, determinadas pela evolução dos meios de produção, sem delegar ao ser humano uma posição estática nesse processo, mas sim como determinado e determinante, portanto, transformador desta história. A dimensão metodológica (o materialismo dialético), entende que a realidade concreta é matéria em movimento, o conflito de contrários faz avançar a realidade num processo histórico de transformação progressiva e constante, tanto evolucionária como revolucionária.
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O materialismo, portanto, parte da concepção de um mundo externo material cuja existência independe da razão; a historicidade apresenta-se no movimento dialético, realizado pelos sujeitos, – tendo a contradição como característica fundamental - de construção e transformação dessa realidade material, que é regida por leis objetivas, não naturais, como também subjetivas, pois criadas por seres humanos concretos.
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Estudar um fenômeno em sua historicidade significa, deste modo, compreender seu processo de desenvolvimento, suas fases, múltiplas determinações, mudanças, complexidades, do surgimento ao desaparecimento; está para além da análise da experiência direta, visa entender como o fenômeno pode chegar a sua apresentação atual, e para isso, se faz necessário voltar o olhar para as relações estabelecidas.
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O marxismo no qual está baseada toda a teoria da Psicologia Histórico Cultural, representa a contraposição à visão liberal, apontando a existência e interferência da luta de classes, dos processos ideológicos e da alienação na constituição destas subjetividades, propondo filosofias que alterem a realidade. Torna-se possível assim, afirmar que todos os fenômenos sociais e humanos são históricos, produzidos a partir de uma vida material, em constante processo de transformação, o ser humano vive um processo dialético de criação e alteração de seu mundo.
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2. Que Psiquismo é esse?
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A proposta dos autores citados anteriormente, era a de criar uma teoria sobre o psiquismo que superasse os enfoques organicistas, a-históricos ou idealistas sobre os fenômenos psicológicos. Entendem, deste modo, que o psiquismo humano é social e historicamente constituído, a partir da mediação semiótica (signos, linguagem); nele estão presentes os aparatos orgânicos (especial ênfase ao cerebral) e também conteúdos ideativos – a imagem subjetiva da realidade objetiva (a imagem consciente do real).
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Os seres humanos, se formam como tal a partir do contato e mediação com outros sujeitos, aquilo que não é transmitido por hereditariedade deve ser apropriado - em um processo educativo, portanto cultural - por cada indivíduo em sua história singular. A “natureza humana” precisa ser construída na interação com outras pessoas, observando as condições materiais e culturais daquela sociedade em determinado momento histórico, ou seja, as aptidões humanas não são intrínsecas, elas estão postas no mundo e o indivíduo pode (ou não) fazer delas suas possibilidades.
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Relativamente ao desenvolvimento deste psiquismo, Vigotski e seus colaboradores, entendem que este é formado a partir do conjunto das relações sociais transportadas ao interior e convertidas nos fundamentos da estrutura social da personalidade, não de modo linear ou “natural”, mas sim em processos dialéticos de complexificação. As principais ferramentas e instrumentos utilizados nesse processo de desenvolvimento são os signos (elementos que representam, designam algo), pois substituem a imagem sensorial e imediata do objeto, havendo a mediação de outros sujeitos nesse processo, indivíduos estes que anteriormente já se apropriaram de tais signos.
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Assim, não se pode falar em um desenvolvimento das funções psicológicas superiores e da conscientização enquanto “um mero desdobrar de um sistema de atividade organicamente predeterminado da criança” (VIGOTSKI, 2007, p.55), mas sim em uma constante relação entre ambos os elementos, no qual o desenvolvimento se dá em espiral, “passando por um mesmo ponto a cada nova revolução, enquanto avança para um nível superior” (VIGOTSKI, 2007, p.56). O processo de internalização – reconstrução interna de uma operação externa – portanto, dá-se por meio de diversas transformações qualitativas; norteia-se no sentido de uma atividade externa que passa a ocorrer internamente, sendo um processo inicialmente interpessoal, passando para intrapessoal, após uma longa série de eventos – cuja ligação não é meramente associacionista.
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3. Como a PHC compreende o Inconsciente?
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Nesta perspectiva, a consciência é entendida por Vigotski como parte do sistema psicológico – em seu continuum está a inconsciência -, composto pelas funções psíquicas superiores (atenção voluntária, memória, pensamento e percepção, emoção, linguagem, imaginação, sentimento) e as relações sociais internalizadas, num processo de relação dialética; ela é, portanto, sempre consciência de alguém com relação a algo, ou mesmo uma qualidade/característica dos processos psicológicos, do entendimento por parte do sujeito a respeito da conexão entre necessidades e motivos da sua atividade, entre sentidos e significados, representação conceitual/verbal do fenômeno e de sua tonicidade afetiva.
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Acontece que muitas vezes os motivos da atividade estão ocultos para o sujeito, falta-lhes o componente semiótico, os estímulos vindos do meio, vividos como sentimentos/afetos, não conseguem encontrar expressão por meio da linguagem, esses conteúdos permanecem no inconsciente sob a forma de tônus emocional influenciando o comportamento. Consciente e inconsciente atestam a produção de características individuais como resultado da complexa trama entre objetivação e subjetivação.
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4. Como a PHC entende os processos de adoecimento psíquico?​
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Em relação ao adoecimento psíquico, uma das pioneiras no estudo deste tema na Psicologia Histórico Cultural foi Bluma V. Zeigarnik, cujos estudos propiciaram a construção do que chamou de Patopsicologia Experimental, a compreensão dos transtornos mentais como desintegração do psiquismo, como alterações da atividade psíquica, observadas na relação entre atividade, personalidade e patologia sem as dissociar da dinâmica das relações sociais.
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5. Qual o papel da(o) psicóloga(o) nos atendimentos clínicos psicoterapêuticos?
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O psicólogo é entendido aqui como um mediador, alguém que irá promover um espaço de interação simbólica, de diálogo capaz de auxiliar a pessoa atendida a construir novos conhecimentos sobre si, sobre a realidade, os mecanismos de opressão e alienação, ou seja, auxiliar no processo de conscientização, de conhecimento do mundo interno e externo, de diálogo interno, no aperfeiçoamento e desenvolvimento das ferramentas psíquicas, dos processos criativos, de ressignificação de experiências, de compreensão dos motivos e necessidades por trás das atividades automatizadas e, também do controle da própria conduta.
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Isso só irá ocorrer a partir do conhecimento e olhar sobre os movimentos do sujeito nas relações que este estabelece, como ele vivencia o fenômeno relatado, permeado por técnicas que facilitem a visualização de novas possibilidades e ações, ou seja, o mediador pode fornecer as ferramentas cabendo à pessoa atendida apropriar-se, fazer delas suas possibilidades e modificar seus pensamentos e ações.
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6. Qual o objetivo da psicoterapia? Para que as pessoas buscam esse tipo de cuidado?
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Em conformidade com o dito anteriormente, a psicoterapia, nesta abordagem, tem como objetivo ampliar os processos de conscientização, em especial sobre as questões que estão causando algum tipo de sofrimento ao indivíduo, é o que Clarindo (2020) chama de “uma análise crítica de si mesmo, dos próprios processos internos” (p. 83). Podendo funcionar como campo de criação e aperfeiçoamento de ferramentas de autorregulação do comportamento, ou instrumentos internos para lidar com situações conflituosas no campo das relações sociais.
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Referências e materiais consultados:
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
CLARINDO, Janailson Monteiro. Clínica Histórico-Cultural: caracterizando um método de atuação em psicoterapia. Orientadora: Veriana de Fátima Rodrigues Colaço. 2020. 203 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Programa de Pós-graduação em Psicologia, Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2020.
DELARI JUNIOR, A. O sujeito e a clínica na psicologia histórico-cultural: diretrizes iniciais. Umuarama: Mimeo, 2012.
MARTINS, L. M. A dinâmica consciente/inconsciente à luz da psicologia histórico-cultural. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 11, n. 2, p. 679–689, 2016. DOI: 10.21723/RIAEE.v11.n2.p678.
Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/8541.
GONZALEZ REY, Fernando. As categorias de sentido, sentido pessoal e sentido subjetivo: sua evolução e diferenciação na teoria histórico-cultural. Psicol. educ., São Paulo , n. 24, p. 155-179, jun. 2007 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752007000100011&lng=pt&nrm=iso>.
SILVA, Maria Aparecida Santiago da e Tuleski, Silvana CalvoPatopsicologia Experimental: Abordagem histórico-cultural para o entendimento do sofrimento mental. Estudos de Psicologia (Natal) [online]. 2015, v. 20, n. 4 [Acessado 14 Agosto 2022] , pp. 207-216. Disponível em: <https://doi.org/10.5935/1678-4669.20150022>.